Sigmund Freud e a Psicanálise continuam incontornáveis e irredutíveis. O médico vienense, nascido em meados do século XIX, promoveu um marco divisor de águas na Medicina, na Ciência Moderna e nas reflexões sobre a experiência humana no que se refere às construções e achados realizados até aquele tempo. No entanto, sua invenção e suas descobertas inusitadas e subversivas para aquele momento, continuam a reverberar incômodos, desconfianças e encantamentos.
Há algo de intemporal na sua proposição. Como uma ciência possível, Freud criou um método com uma regra e algumas recomendações. À regra da associação livre indicada ao paciente (falar livremente o que lhe vem à cabeça, sem criticidade, seleção e racionalizações), o analista deve responder com uma atenção equiflutuante. Uma atenção quase despretensiosa, ainda que rigorosa aos movimentos e conexões sobre a fala do analisante e a sua própria memória inconsciente.
Sua invenção, a Psicanálise, um tratamento de cura para o sofrimento e mal estar manifestados em sintomas corporais e psíquicos, Freud ponderou desde o início ser uma práxis, onde a prática clínica e a construção teórica estariam sempre articuladas. Um caso seria sempre tomado como uma novidade dando um lugar singular e único à experiência de cada indivíduo, ainda que estivesse necessariamente articulada ao seu entorno e às suas relações culturais e libidinais desde seus primórdios, o infantil.
A sustentação de seu objeto, o desejo inconsciente, marca uma ruptura no lugar privilegiado que a razão e a consciência adquiriram na cultura ocidental, e que no percurso da História da Humanidade, construída e narrada pelo poder hegemônico da época, havia se pretendido universal. A razão e a consciência humana, como ponto máximo de uma evolução conectada à Biologia, de forma linear e hierárquica, é questionada por Sigmund Freud a partir das suas observações durante a escuta do sofrimento de seus analisantes. Havia algo que insistia, deslizava, e agia sem que o sujeito pudesse perceber. Seria, então, na relação do vínculo transferencial com um analista que essas moções, movimentos, padrões de comportamento e afetos poderiam se manifestar, se atualizar, para que uma ressignificação e mudança de posição do indivíduo na vida pudesse se alterar com o seu próprio trabalho de elaboração através da fala.
A partir da escuta de mulheres que apresentavam sintomas físicos sem uma explicação fisiológica, Freud chegou à conclusão de que as mesmas sofriam de reminiscências: “As moções inconscientes não querem ser lembradas, tal como o tratamento o deseja, mas elas almejam se reproduzir, de acordo com a atemporalidade e a capacidade alucinatória do inconsciente.” (Freud,1912, p.107).
A sexualidade para a psicanálise tem um lugar primordial. Este ponto foi motivo de rupturas, condenações, questionamentos, inclusive de alguns de seus discípulos preferidos, como Gustav Jung. Mas, ainda hoje, a sexualidade na perspectiva da psicanálise, experiência inaugurada por Freud, pulsa como valor seminal do que abarca a especificidade desta nossa espécie que fala. Uma espécie que pensa (vide os pensamentos obsessivos que invadem sem cessar) e tenta dizer e saber sobre o que se passa em relação à sua própria existência no mundo, ao seu desamparo sobre a possibilidade real da sua própria finitude e da perda dos outros a quem amamos e por quem somos amados.
“O conceito do sexual engloba muito mais na Psicanálise; tanto para cima quanto para baixo, ele vai além do sentido popular. Essa ampliação tem justificativa em sua gênese; julgamos ser parte da “vida sexual” também todas as ativações de sensações carinhosas que se originaram da fonte das moções sexuais primitivas, mesmo se essas moções experimentam um bloqueio de seu objetivo sexual original ou se elas trocaram esse objetivo por outro, não mais sexual. Por isso, também preferimos falar em psicossexualidade, enfatizando que não se deve esquecer nem subestimar o fator anímico da vida sexual. Utilizamos a palavra “sexualidade” no mesmo sentido amplo em que na língua alemã se usa a palavra “amar” [lieben].” (Freud, 1910, p.76)
Roberta F. Gonçalves (psicanalista)
Referências:
Freud, S. Psicanálise Selvagem (1910).
Freud, S. Sobre o início do tratamento. (1912).